Ser uma mulher desfeminilizada, isto é, que não está de acordo com os estereótipos de gênero, é por vezes muito cansativo.
Acho importante salientar aqui que trago o recorte da minha vivência, ou seja, de uma mulher cis, branca e lésbica. Mas esse texto também vale para todas as pessoas que se identificam como mulher e que não estão de acordo com a feminilidade. Além disso, devemos levar em consideração o recorte de raça: uma mulher preta e desfem corre mais riscos ainda de ser invisibilizada ou de sofrer uma violência. E se somado a isso, essa mulher for trans, os riscos são ainda maiores.
Desde muito nova eu não me enquadro nos padrões de feminilidade: sempre gostei de roupas e coisas ditas “masculinas”. Me recordo, no entanto, que eu sabia que de certa forma não podia usufruir dessas coisas, já que era errado. “Menina tem que ser feminina”, diziam. Me lembro com bastante nitidez que eu adorava andar de skate, jogar bola com os moleques, brincar de carrinho e usar umas roupas bem largas.
Sou confundida com homem desde muito nova também. Me lembro até hoje que quando eu tinha por volta de 7 anos uma moça me confundiu com um menino, e só acreditou em mim depois de eu MUITO insistir.
Esse episódio foi só o primeiro de muitos.
Estou cansada de entrar no banheiro feminino e ser barrada por seguranças, ou de receber olhares incrédulos e assustados. Estou cansada de sofrer preconceito até mesmo de pessoas da comunidade LGBTQIAP+.
Me lembro até hoje de uma agressão que sofri de um homem gay simplesmente porque ele achava que eu era um homem querendo usar o banheiro feminino. Acho que de todos os episódios de agressões e violências, esse foi o que mais me doeu. Até então, eu não acreditava que um pessoa do mesmo movimento que o meu poderia ser tão agressiva comigo, ao ponto de a minha boca sangrar. E sabe o que é mais irônico? Ele fez questão de dizer que era gay antes de me bater.
Hoje isso não me surpreende mais. Mulheres desfeminilizadas, e ainda mais lésbicas, causam repúdio. Causam nojo. E a gente causa isso justamente porque provamos diariamente que não estamos aqui pra agradar os homens, e que acima de tudo, não precisamos deles. Desafiamos diariamente o sistema heteropatriarcal. Desafiamos diariamente a estrutura sexista e machista da nossa sociedade. E isso assusta!
Assusta porque provamos diariamente que ser mulher não se resume a reproduzir uma feminilidade ou a se relacionar com homens. Assusta porque questionamos o que foi imposto a nós, mulheres. Questionamos o que é ser mulher!
Eu não preciso pintar minha unha, me depilar ou ter o cabelo longo para ser considerada uma mulher! Tampouco preciso ter uma relação heterossexual. Eu quero ter a liberdade de moldar o meu corpo como eu bem entender, como melhor me satisfizer. Quero ter a liberdade de ser uma mulher que se relaciona afetivo-sexualmente com outras. E eu não quero ser lida como um homem por isso!
Eu não quero ser chamada de “senhor”, ou ter medo de entrar no banheiro ao qual eu tenho direito. Eu não quero andar na rua com medo de sofrer estupro corretivo para me tornar uma “mulher de verdade”.
Eu não me pareço com um homem, e nem quero me parecer com um. Eu sou apenas uma mulher que não está de acordo com o que é imposto diariamente à classe mulher.
#descriçãodaimagem : fundo da imagem é branco, com textura similar a de papel amassado. Centralizado e na parte superior da imagem, está o nome da autora do texto: Mariana Guimarães. Na Lateral superior direita está posicionada uma ilustração de galhos com folhas nas cores rosa e marrom. Centralizado e justificado à direita, está o título do texto: "Pareço Homem para você? Ser uma mulher desfeminilizada, isto é, que não está de acordo com os estereótipos de gênero, é por vezes muito cansativo."
Abaixo do título, há a imagem de um skate. Abaixo do skate, está posicionada uma forma orgânica na cor verde. Na lateral inferior esquerda, está posicionada a Logo do Canto Baobá.
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