E de repente tudo perdeu a cor, tudo ficou preto, tudo ficou triste e tudo dentro da minha cabeça se misturou, até que o fato ganhasse força, forma e voz, e então eu me disse "você é preto".
Eu tentei me conformar, e depois eu tentei me distanciar, e depois negar, mas a voz, a minha voz, continuava a me lembrar "você é preto".
E eu recorri a minha fé, e tentei aceitar que tudo que acontece comigo tem um motivo, e se acontece eu tenho que aprender uma lição, e depois eu tenho que ser grato ao Senhor pelo que passei, afinal, o Senhor sabe de todas as coisas e tudo está nos planos dele... Mas a voz, agora um pouco mais alta, não parava de repetir "você é preto".
Eu não consigo silenciar essa voz, eu não consigo ignorar de onde ela vem, de quem ela vem... Eu não consigo me conformar, eu não consigo agradecer ao Senhor, eu não consigo entender as lições que tenho que aprender.
Eu não consigo me distanciar da realidade, da minha pele, das minhas circunstâncias. Eu não consigo entender o motivo das coisas que vem acontecendo, e não consigo entender um Senhor que planejou a vida que eu levo. Eu não consigo aprender uma lição que só existe para mim, para o meu povo. Eu não consigo ser grato a uma vida que nunca me favoreceu.
Eu tenho aprendido que se eu me esforçar, posso estar com eles, e se eu for grato, posso estar com eles e com o Senhor. E se eu me comportar, serei reconhecido, e se eu mostrar minhas habilidades, serei mencionado, e se eu for mencionado entre eles, e se eles gostarem do que eu tenho para oferecer, vou merecer estar ali.
Tenho aprendido que preciso aprender com as lições para merecer uma vida melhor.
Tenho seguido os ensinamentos deles, mas não tenho merecido, eles falam que eu preciso persistir, mas eu já não tenho recursos para continuar.
E a voz, a minha voz, que agora grita, sempre me faz lembrar daquele fato... Eu sou preto.
Eu poderia trazer uma perspectiva positiva, e poderia ter fé no Senhor, eu poderia... Mas eu não quero.
Eu quero ser mais do que um corpo preto, eu quero ser mais do que mão de obra barata, eu quero ser... Preto, eu quero ser humanizado. Eu quero ser real. Eu quero existir.
A igualdade existe, mas ela não funciona pra mim. Eu preciso de equidade. E é só isso que eu desejo. E então, quando tudo perder a cor e tornar-se negro, eu serei favorecido, e a voz, a minha voz, será sinônimo de orgulho.
Sim, orgulho, de ser preto.
*Matheus Gomes é paciente do Psicólogo e Sócio-Fundador Douglas Felix. Esse texto foi enviado e autorizado para veiculação por Matheus
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