Assim como boa parte da vida de cada um de nós, a experiência de se estar em um processo psicoterapêutico mudou com o início da pandemia: sai o divã ou a poltrona, entra a cadeira; sai o percurso para a clínica, por vezes carregados de tensão e reflexões prévias, entra a preocupação com a privacidade; saem os corpos, do analista e do analisando, entra a possibilidade de a partir de uma tela retangular criar uma outra perspectiva de nós mesmos.
Repensar a possibilidade de um processo terapêutico foi um desafio que encaramos sem grandes garantias, mas que logo se mostrou frutífero.
Em certa medida, também o atendimento presencial é marcado por uma certa virtualidade, já que elaborando nossas questões somos levados a uma segunda cena, um estado de coisas que se sobrepõe e momentaneamente põe em segundo plano a própria realidade, o tempo e o analista, já que ao se falar livremente se criam entradas e conexões entre o que é vivido e pensado e um saber que não se sabe.
Hoje, porém, mesmo com a ainda existente necessidade preventiva, podemos pensar um retorno ao que é a pedra fundamental de nossa prática: a presença. A experiência online se mostrou mais do que apta a lidar com as circunstâncias dos últimos anos, e mudou para sempre a forma como vemos o processo analítico, bem como a forma como trabalhamos e estudamos.
Mas isso também denuncia uma das grandes questões de nosso tempo: a incapacidade de estar presente.
Cercados por celulares, serviços de streaming, redes sociais e podcasts, internalizamos uma lógica de consumo e produção, e poucas vezes parecemos tocados pela experiência de uma vida longe das telas ou da estimulação digital. A capacidade de ser multitarefas se tornou um vício, ao passo que simplesmente almoçar, lavar a louça sem ouvir música ou estar com os amigos sem usar o celular virou algo impensável para muitas pessoas, num movimento que não suporta o vazio, o silêncio, o negativo.
Popularmente se reconhece que o corpo fala, seja por gestos ou sintomas. Às vezes somos voz, às vezes silêncio, mas às vezes somos o pé que balança, ou o punho que se fecha com força, se segurando para não ceder. E isso também merece ser ouvido.
Sendo a terapia uma clínica do encontro – real ou virtual -, o que importa é estar presente: respeite seu tempo, sinta a experiência, dentro e fora da terapia.
Commentaires